sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Asas da América - Volume I [1981]


O projeto Asas da América, iniciado em 1981, foi a primeira tentativa sistemática de modernização do frevo, não apenas na roupagem como também nos arranjos e orquestrações. Seu idealizador foi o caruaruense Carlos Fernando, ex-integrante do Movimento de Cultura Popular, compositor desde 1967, quando ganhou um festival com Aquela Rosa, em parceria com Geraldo Azevedo.
Asas da América foi um divisor de águas para o frevo que, qualidades à parte, deixava de ser uma música paroquial, cultuado fora de sua terra natal apenas por aficionados e especialistas. Carlos Fernando conseguiu reunir num só disco, numa época em que isso não era corriqueiro como atualmente, artistas recifenses com os maiores nomes da MPB. A lista ia de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Jackson do Pandeiro a Marco Pólo, Geraldo Azevedo, Flaviola e Alceu Valença.
O projeto completou duas décadas no ano passado. A efeméride está sendo comemorada com um álbum com três CDs e 47 faixas, contendo uma seleção dos dois LPS lançados no início da década de 80 pela CBS (atual Sony Music), uma continuação do projeto realizada no Recife, apenas com artistas pernambucanos, e o Pinto da Madrugada, dirigido ao público infantil, produzido há dois anos e ainda inédito. Carlos Fernando pretende, em 2003, lançar outra caixa com frevos de mais três discos do projeto (ao todo foram sete álbuns) e um novo Asas da América.
Vivendo entre o Rio de Janeiro e o Recife, ele já produziu um disco de cirandas, Recirandar; de forró, Forró Brasil; cinco Recife Frevoé, e está finalizando o CD Siri na Lata, em que homenageia o bloco homônimo. Em seu apartamento em Candeias, Carlos Fernando comentou o Asas da América e sobre cultura pernambucana, disparando elogios e críticas para todos os lados, uma metralhadora giratória e certeira.

* Confira a matéria completa clicando AQUI.


01 - Alceu Valença - O Homem da Meia Noite
02 - Caetano Veloso - Bom é Batuta
03 - Carlos Fernando & Geraldo Azevedo - Lenha No Fogo
04 - Elba Ramalho - Olha o Trem
05 - Flaviola - Aquela Rosa
06 - As Sereias - Valores do Passado
07 - Elba Ramalho - A Mulher do Dia
08 - Chico Buarque - Salve a Torcida
09 - Gilberto Gil & Jackson do Pandeiro - Sou Eu Teu Amor
10 - Alceu Valença - Pitomba Pitombeira
11 - Marco Polo - Ator Folião
12 - Geraldo Azevedo - Asas da América

Asas da América - Volume II


01 - Geraldo Azevedo - Tempo Folião
02 - Elba Ramalho - Anjo Avesso
03 - Fagner - Portela
04 - Terezinha de Jesus - Cravo Vermelho
05 - Alceu Valença - A Misteriosa
06 - Paulo Rafael - Capucho No Frevo
07 - Amelinha - Sirí Na Lata
08 - Zé Ramalho - Rapaz do Táxi
09 - As Frenéticas - Bye Bye Baby
10 - Marco Polo - Amanhecer
11 - Juarez Araújo - No Passo do Rafa

Asas da América - Volume III


01 - Mpb4 - Batalha
02 - Alceu Valença - Massa Real Madri
03 - Geraldo Azevedo - Cala Boca Menino
04 - Zé da Flauta - Bianos No Frevo
05 - Juarez Araújo - Saxofrevando Pra Mabel
06 - Elba Ramalho - Século XXI
07 - Geraldo Azevedo - Menina Pernambucana
08 - Tadeu Mathias - Cine Marconi
09 - Robertinho de Recife - O Pulo do Passo

Asas da América - Volume IV



01 - Alceu Valença - Voltei Recife
02 - Geraldo Azevedo - Além do Carnaval
03 - João Fernando - Chego Já
04 - Tadeu Mathias - Constelações
05 - Teca Calazans - Bloco Dos Bichos (Como Dois Animais)
06 - Lenine & Lula Queiroga - Grande Fla-Flu
07 - Severo - Alvoroço (Instrumental)
08 - Elba Ramalho - Banho de Cheiro
09 - Alceu Valença - Lenha No Fogo
10 - Teca Calazans - Meu Rebento

Asas da América - Volume V




01 - Caetano Veloso - Noites Olindenses
02 - Luiz Caldas - Bahia Maria
03 - Alceu Valença - Menina Pernambucana
04 - Lulu Santos - Atrás do Trio Elétrico
05 - Moraes Moreira - Festa do Interior
06 - Trem da Alegria - É Ele o Frevo
07 - Chico Buarque - No Dia Que o Cristo Falou
08 - Fagner - Molhadinho de Suor
09 - Michael Sullivan - Mamãe Aparecida
10 - Alcione - Banho de Cheiro
11 - Zé Ramalho - Frevo Mulher
12 - Geraldo Azevedo - Pela Paz

Asas da América - Volume VI



01 - Alceu Valença - Bicho Maluco Beleza
02 - Lula Queiroga - Clube da Farra
03 - Nádia Maia - Outro Carnaval
04 - Marcílio Lisboa - Luar da Madalena
05 - Nena Queiroga - Acorda Caruaru
06 - Hebert Azul - Pierrot Le Fou
07 - Eliane Ferraz - Flor da Lira
08 - Geraldo Azevedo - Tabaco-Leso
09 - Marco Polo - Nem Sempre Lili Toca Flauta
10 - Mônica Feijó - Cante Comigo
11 - Lenine - Eu Acho É Pouco
12 - Rosana Simpsom - Abelha Rainha
13 - Marrom - Micróbio do Frevo
14 - Geraldo Amaral - Belo Capiba

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Do Fiasco da Federação Carnavalesca ao Surgimento do "Banho de Conde"


Leonardo Dantas Silva
No princípio dos anos trinta do século XX, as rivalidades entre os clubes carnavalescos deram origem ao que se convencionou chamar de “carnavais de sangue”…
Apesar da severa repressão da polícia, as rixas entre as agremiações do nosso carnaval continuaram presentes nas ruas e no noticiário policial da imprensa. Tais conflitos tornaram-se uma preocupação não só das autoridades governamentais como de grupos da sociedade; a insegurança era tanta que havia agremiações que para sair às ruas solicitavam a presença de uma escolta da cavalaria.
Em 1932, carnavalescos preocupados com a situação da violência entre os clubes resolveram fundar a Liga Carnavalesca do Recife, em reunião realizada no Clube das Pás, na Rua Velha nº 245. Dois anos mais tarde, precisamente em 26 de dezembro de 1934, um grupo de executivos, alheios ao chamado “carnaval de rua”, atendendo a sugestão do jornalista Mário Mello, iniciaram os contatos para a fundação de uma sociedade civil que viesse aglutinar todas as agremiações carnavalescas.
No escritório do engenheiro J. Pinheiro, da Pernambuco Tramways, empresa concessionária de distribuição de energia elétrica e do sistema de bondes do Recife, esteve reunido o diretor daquela companhia J. P. Fish, o superintendente da The Great Western do Brazil Railway, Arlindo Luz, além dos sr. Camucé Granja e, o pai da ideia, o jornalista Mário Mello, com o objetivo de traçar as bases de fundação do que veio a ser a Federação Carnavalesca Pernambucana(¹) .

Na ocasião foi redigida uma carta circular a todas as agremiações responsáveis pelo Carnaval do Recife que, por sua importância, passo a transcrever:
O Carnaval de Pernambuco é típico e tem sido louvado em toda parte onde dele se tem conhecimento, pela originalidade, de que resultou o nosso frevo. Nota-se, porém, que a muita dispersão de esforços, o que é prejudicial. Pensando nisso alguns elementos sociais, interessados pelos progressos de Pernambuco e para que o Recife se torne cidade de turismo, resolveram fazer a coordenação de todos os elementos numa Federação dos clubes existentes e que de futuro se possa organizar. Para o bom êxito da ideia os seus promotores já se puseram em contato com a maioria dos clubes carnavalescos desta Capital, ficando acertado que a referida Federação seria organizada dentro das bases seguintes:
I – Dada a rivalidade ainda existentes entre alguns clubes, a administração central dessa Federação deverá ser constituída por pessoas de representação e prestígio social, alheias aos mesmos clubes para que possa realizar o seu progresso com imparcialidade, tendo, no entanto, cada clube seus delegados junto à Federação.
II – Obter dos grandes empresários, bancos, negociantes em grosso etc., auxílio para o caixa geral, sem prejuízo das coletas que os clubes costumam fazer entre os seus protetores.
III – Esse auxílio será empregado: a) no programa geral organizado pela Federação; b) no auxílio equitativo aos clubes que tomarem parte no carnaval; c) em prêmios aos clubes que no modo mais condigno se apresentarem; d) no desenvolvimento do turismo.
IV – Moldar o carnaval no sentido do tradicionalismo histórico e educacional, fazendo reviver costumes nossos, tipos de nossa história, fatos que nos educam.
V – Colaborar com os poderes públicos num programa que haja um dia exclusivo para o frevo dos clubes pedestres, sem os atropelos do corso e um dia para os clubes alegóricos.
VI – Organização de comissão para a propaganda do carnaval de Pernambuco nas cidades do interior e dos Estados vizinhos.
VII – Pugnar pela harmonia de todos os clubes, afim de que se possa dar sempre o maior brilho às festividades do Carnaval.
VIII – Propaganda do nosso carnaval, por meio de filmagem e irradiações das nossas músicas no interior.
O documento circular, assinado pelos srs. Arlindo Luz, Superintendente da The Great Western of Brazil Railway Cº. Ltd.;  J. P. Fish, Superintendente da Pernambuco Tramways & Power Cº. Ltd.; Camucé Granja e o jornalista Mário Mello, redator do texto, foi enviada a todas as agremiações carnavalescas, marcando “uma reunião inaugural” para a quinta-feira 3 de janeiro, às 20 horas, “na sede da Federação Pernambucana de Desportos, na Rua da Aurora nº 237”.
Assim, naquela noite, veio a ser criada a Federação Carnavalesca Pernambucana tendo, na ocasião, o jornalista Mário Mello apresentado um e um esboço de estatutos da nova entidade, que deveria pugnar pelos seguintes fins:
I – Procurar a harmonia entre os clubes filiados;
II – Distribuir auxílio equitativo, cada ano, aos clubes que tomarem parte no carnaval;
III – Dar prêmios aos clubes carnavalescos que de modo mais condigno se apresentarem;
IV – Desenvolver o turismo;
V – Moldar o carnaval no sentido do tradicionalismo histórico e educacional, fazendo reviver costumes nossos, tipos de nossa história, fatos que nos educam;
VI – Colaborar com os poderes públicos para a regulamentação e boa distribuição do tráfego, a fim de que não haja prejuízo do frevo que merece apoio, para a sua conservação típica;
VII – Organizar comissões para propaganda do Carnaval de Pernambuco nas cidades do interior e Estados vizinhos, bem como por intermédio do rádio e da cinematografia.
Em memorial enviado à Assembleia Legislativa, assinado pelo presidente J. P. Fish, com data de 26 de agosto de 1936, a Federação Carnavalesca Pernambucana informa dispor de 165 agremiações filiadas e reivindica o seu reconhecimento como de utilidade pública e a concessão de uma subvenção anual para a realização do carnaval.

Naquele memorial, depois de descrever as origens históricas do Carnaval do Recife, enfatiza:
Esses agrupamentos carnavalescos viviam em ambiente de rivalidade tal, hostilizavam-se de tal maneira que havia receio de irem às ruas as pessoas pacatas, porque o encontro de dois clubes carnavalescos era sinal de derramamento de sangue. Vitorioso, era o clube que deixava nas ruas maior número de feridos e até de mortos. “Os compositores faziam músicas especiais para o momento do encontro, conhecidas como abafadoras, não só para superar a orquestra do clube adversário, como para excitar à luta os próprios partidários.”
— Esse tipo de composição, também denominada de frevo coqueiro, é formada por uma linha melódica maleável, leve em notas mais ou menos longas a exigir mais apuro por parte dos trombones e trompetes, de modo a tornar inaudível a orquestra do adversário.
Submetido às comissões, foi o projeto relatado pelo então deputado Artur Moura, onde ressalta o serviço que vem prestando a nova instituição em favor da organização do carnaval, ordem pública, educação, preservação moral dos costumes e ideologias dos grupos carnavalescos, bem como saúde pública, “no seu largo sentido e atua, sobretudo quanto às classes mais pobres como sedativo de incontestável eficácia”.

Adianta em outro parágrafo que a diretoria da Federação era formada por elementos estranhos aos quadros sociais dos clubes filiados, sendo constituída de “pessoas do mais alto e merecido conceito intelectual e moral”, salientando:
A Federação realiza um largo programa. Transforma cada associação carnavalesca em um núcleo educativo. Proíbe qualquer preocupação político-partidária; guerreia as ideias subversivas da ordem constitucional vigente no país; defende o respeito à lei e a autoridade pública encarregada de aplicá-la, transforma os fúteis motivos carnavalescos em oportunos pretextos para fortalecimento no nativismo sadio e construtor.
Não se diga que os festejos carnavalescos, presididos pela Federação atentam contra o tradicional sentimento religioso e os costumes do nosso povo.
Muito ao contrário disto o frevo se afigura um derivativo. Na sua expansiva inocência se acolhem e satisfazem as famílias que receiam o perigo dos salões supercivilizados, onde o éter e o champagne comumente justificam o sacrifício dos bons costumes.
Como se depreende do memorial assinado por J. P. Fish, referendado pela exposição de motivos do deputado Artur Moura, existia então uma preocupação bastante acentuada quanto às ideologias em voga, o comunismo e o integralismo, que, segundo o presidente da Federação, poderiam atingir os clubes carnavalescos.
A nova instituição, segundo se depreende da leitura da documentação oficial publicada no Anuário de Carnaval Pernambucano 1938, funcionava como uma espécie de tutora, exercendo por vezes uma censura oficializada, das agremiações carnavalescas; atividade vista com simpatia naqueles tempos de Getúlio Vargas. – No seu memorial dirigido à Assembleia Legislativa, o presidente J. P. Fish chega a enfatizar:
Outro aspecto que não deve ser silenciado é a cooperação que prestamos à ordem pública. Proibida, terminantemente, qualquer manifestação de caráter político em seu seio ou no de seus clubes filiados, cujos estatutos são por nós revistos e consertados, fazemos tenaz propaganda contra ideias extremistas, por meio de doutrinação, evitando assim que os elementos de nossos clubes se contaminem, e até mesmo indicando o bom caminho aos periclitantes.
Ninguém melhor do que a Secretaria de Segurança Pública, que, a nosso convite, tem um representante permanente junto a nós, conhece esta face de nossa cooperação com o poder público, que, por sua vez, tanto nos tem ajudado.
Mas nem só o carnaval era a preocupação dos criadores da Federação Carnavalesca Pernambucana. Do memorial de J. P. Fish e da exposição de motivos do deputado Artur Moura, a quem coube relatar o projeto nº 70/1936, que veio dar origem à Lei Estadual nº 212, sancionada pelo governador Carlos de Lima Cavalcanti em 3 de dezembro de 1936, se depreende uma preocupação bastante acentuada quanto às ideologias em voga, muito especialmente com o comunismo, que  poderiam vir atingir os quadros sociais dos clubes carnavalescos. A nova instituição funcionava como um órgão de tutela, exercendo por vezes a censura oficializada, atividade vista com simpatia naqueles tempos de Getúlio Vargas:
A Federação realiza um largo programa. Transforma cada associação carnavalesca em núcleo educativo. Proíbe qualquer preocupação político-partidária; guerreia as ideias subversivas da ordem constitucional vigente no país; defende o respeito à lei e à autoridade pública encarregada de aplicá-la, transforma os fúteis motivos carnavalescos em oportunos pretextos para fortalecimento do nativismo sadio e construtor.
Desse modo foi a Federação Carnavalesca Pernambucana criada por um grupo de elementos estranhos ao Carnaval do Recife, sob a inspiração do jornalista Mário Mello, tendo como primeiro presidente um norte-americano, J. P. Fish, conhecido popularmente como “Mister Ficher”.

De tanta organização surgiu um episódio curioso contado pelo jornalista Selênio Homem de Siqueira ao lembrar que, na sua programação carnavalesca a Federação Carnavalesca Pernambucana programou para a Praia do Carmo, em Olinda, um banho de mar a fantasia com o patrocínio da Pernambuco Tramways, através de Mr. Fish, com a presença das mais tradicionais agremiações do carnaval do Recife.

No domingo aprazado, uma maré alta de lua cheia tomou conta das linhas do bonde, na altura de Salgadinho, e interrompeu o tráfego dos elétricos na antiga Estrada de Luís do Rego, que ligava o Recife à Olinda, tornando, assim, impossível o acesso ao Carmo.

Os carnavalescos, devidamente fantasiados, tiveram que cruzar a água do mangue a pé, encharcando suas fantasias, para nesse estado atingir o Varadouro e a Praia do Carmo, onde fora armado um grande painel de fogos de artifício comemorativo.

Como uns “pintos molhados” lá foram os carnavalescos do Recife participar do propalado “banho de mar a fantasia”…
A verve olindense, insuflada pela velha rixa dos habitantes de Olinda para com os do Recife, originária ainda dos confrontos acontecidos no século XVIII, não deixou passar despercebido tal fiasco…

Surgiu assim Banho de Conde, um frevo ainda hoje cantado nas ruas e ladeiras da Velha Marim, composto por Wilson Wanderley e Clídio Nigro, gravado pela Fábrica Rozenblit no disco Carnaval de Olinda (LP 20.000 – 1979), cuja letra relembra a importância do “padroeiro Ficher” nos festejos carnavalescos de então:
Mandei formar,
a turma
Pra tomar banho,
na beira do mar
Não vou ficar,
molhado
Mas vou dar água
pelo Carnaval
Vem! … vem padroeiro Ficher!
Vem, vem acender o painé! 
Não mergulhei, mas molhei
Banho de maré tomei
________________
1) Anuário do carnaval pernambucano 1938. Recife: Federação Carnavalesca Pernambucana, 1938.